sábado, 24 de abril de 2010

O emplasto



Houve um tempo no qual o riso apresentava-se de forma sincera, que acreditávamos em que os passarinhos só cantassem e que a dor era mera ficção de telenovela ou algo do gênero. Mas tudo isso é mentira, pois a dor vai além das barreiras da biofísica. E assim vive a humanidade com essa companheira inseparável desde os tempos antigos.
Humanitas?! Esse vocábulo atormenta-me tanto, uma vez que sempre considerei Quincas Borba um alucinado, um maníaco da filosofia, no entanto o admirava quanto personagem. Sei que a metalinguagem engendrada por Machado de Assis, em diálogo direto com o leitor, proporcionara-me uma falsa lassidão e uma grande reflexão sobre o humanitismo.
Coitadinho de Brás Cubas! Morrera pensando em criar um emplasto que pudesse resolver o problema da humanidade: erradicar a dor humana. Tanto a física quanto a psicológica. Era algo além da metafísica que iria ao encontra da alma. Pena que tanto Quincas Borba quanto Brás Cubas não conseguiram realizar tal façanha.

Seria maravilhoso que a ficção pudesse sair das folhas escritas e se tornasse humana e real. Seria fértil demais imaginar pessoas tomando esse emplasto para se curarem da depressão, da angústia, do rancor e do ódio. Não obstante seria tudo poético e muito perfeito, visto que ninguém iria se preocupar com o outro e só pensaria num certo remédio dissimulador de ideais. Ninguém iria acordar para viver a sua devida realidade e cumprir seriamente seu destino ou fazê-lo a cada amanhecer. Não haveria ciência que se interessaria em estudar o homem e o que se encontrasse ao redor dele.
Será que a felicidade em excesso resolveria, por meio de qualquer substância química, o problema social da humanidade? Será que devaneios como de Quincas Borba em criar uma ciência para cessar qualquer tipo de dor faria o homem amadurecer na sua devida essência?
Teríamos que pensar, caríssimo leitor deste blogger! Como dizia Brás Cubas: tenha paciência, pois ainda não chegou o momento de falar ou mencionar sobre minhas memórias. Elas são tão fugazes, entretanto eternas na mente.
Dessa forma, continuar-nos-emos com a metalinguagem do emplasto. Seria poder excessivo de cura? Será que curaria a ganância, a corrupção e outras atividades ilícitas? Infelizmente não, já que o homem possui livre arbítrio para qualquer ação que ele deseje criar. E assim caberá a cada ser buscá-lo em seu próprio íntimo a fim de que o humanitismo se concretize e finde a dor: a real, a carnal e a da imaginação.



"Seja velho, seja menino,
use Brás Cubas,
o emplasto divino."

Machado de Assis
in Memórias Póstumas
de Brás Cubas


2 comentários:

  1. Olá!

    A criação de um emplasto que curasse qualquer dor e realmente ambígua, visto que apresenta muitos efeitos colaterais. Seria muito bom com um único remédio ter todas as suas dores erradicadas, mas... Nem tudo pode ser como sonhamos. Esquecemos nossas dores, esquecemos as dos outros e esquecemos uns dos outros. "Para que se preocupar com o outro, eu estou bem, não precisarei dele mais para nada?!?" Essa pergunta exclamativa perduraria em nossas mentes e alteraria nossa maneira de ser. Continuemos assim, vítimas das dores, físicas e psicológicas, mas sabedores de que precisamos tanto do outro quanto ele de nós.

    Bjs e boa tarde.

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  2. Jander,

    A reflexão em torno de Machado me fisgou. Provavelmente porque em minha dissertação faço uma rápida passagem pelo tema, ao mencionar um intertexto criado pelo autor angolano ao definir a obra como "memórias apóstumas".
    Porém, o mais importante foi observar como você tornou o hospital um lugar de horas produtivas, parece que tua dor foi de um parto que trouxe para luz dos nossos olhos esses textos inspirados e maturadíssimos.

    BjkSi

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